Investigadores do CECS desencadearam uma interpelação pública ao Governo Português para defender a prática de estágios curriculares nos órgãos de comunicação social.
Exmos. Senhores
Ministro-Adjunto e do Desenvolvimento Regional, Professor Doutor Miguel Poiares Maduro
Ministro da Educação e da Ciência, Professor Doutor Nuno Crato
Presidente da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista, Juiz Desembargador Pedro Mourão
Os diretores de cursos superiores com formação em jornalismo abaixo assinados têm acompanhado com grande preocupação as notícias divulgadas pelo jornal Público sobre a recente iniciativa da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista relativamente à aplicação de multas à publicação de trabalhos produzidos por estudantes em estágio curricular. A problemática agora suscitada não é nova e as universidades acompanham-na desde sempre, quer por razões científicas no âmbito de trabalhos de investigação e reflexão sobre a profissão de jornalista quer por razões pedagógicas no quadro dos planos de estudos que preveem a formação de profissionais.
A comunicação social tem, hoje mais do que nunca, um papel central na sociedade, ao contribuir, pela difusão de informação de interesse público, para o exercício de uma cidadania mais instruída e ativa. Considera-se, por isso, indiscutível que pesa sobre a profissão de jornalista uma responsabilidade escrutinada não apenas por instituições competentes como também pelo próprio público. É na base desta convicção de que ser jornalista hoje é uma atividade exigente e estruturante que os cursos de formação superior entendem como francamente positiva a integração dos estudantes nas redações por períodos que permitam a interiorização dos contextos específicos do exercício do jornalismo, uma prática que tem pelo menos duas décadas e que se assemelha ao que acontece em muitos outros países. No quadro deste entendimento, gostariam os signatários desta interpelação de assinalar o seguinte:
- A integração dos estudantes em período de formação no contexto das empresas insere-se no espírito da Declaração de Bolonha e está devidamente enquadrada pelos mecanismos de acreditação dos cursos de ensino superior, que a consideram uma prática inovadora e de interseção entre a academia e o tecido empresarial. Embora se registem experiências diferenciadas, a generalidade dos cursos de primeiro e/ou segundo ciclo prevê a realização de um estágio curricular com duração de três meses, supervisionado por um jornalista profissional na empresa e por um docente na universidade. É objetivo desta experiência complementar as práticas de simulação próprias do ambiente de ensino-aprendizagem da sala de aula com o contacto direto com a complexidade real da produção informativa.
Neste contexto, consideram os diretores de curso abaixo assinados que a prática de estágios curriculares, devidamente acompanhada, como acontece na generalidade dos órgãos de comunicação, é fundamental para uma formação teórico-prática equilibrada neste domínio. Consideram também que esta prática só pode ser realmente profícua se aos estudantes for proporcionada por inteiro uma experiência de contacto com as fontes de informação, “pesquisa, recolha, seleção e tratamento de factos, notícias ou opiniões, através de texto, imagem ou som”. Contando com o acompanhamento em permanência de profissionais titulares de carteira, estas tarefas, enunciadas no Artº 1º do Estatuto do Jornalista, podem compreensivelmente resultar em trabalhos cuja publicação só pode beneficiar os próprios estudantes que assim constroem os seus portefólios pessoais.
- Sendo a questão dos estágios curriculares uma matéria que tem suscitado desde 2008 dúvidas e interpretações variadas, e considerando ainda os desafios que enfrenta a profissão no presente, considera-se que o assunto deverá ser urgentemente retomado em debate público alargado. Estão, por isso, os signatários deste texto disponíveis para participar num encontro entre formadores, profissionais, representantes das empresas e das instituições reguladoras, no sentido de se clarificar e uniformizar práticas que permitam tanto o respeito pela profissão como a boa formação dos estudantes.
- Estando de acordo com o princípio segundo o qual as práticas abusivas devem ser denunciadas e punidas, entendem os diretores de curso exortar a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) e as entidades governamentais (especialmente os ministros da tutela da comunicação social e da educação) a rever a iniciativa desencadeada no início de julho. Tanto quanto é conhecido, esta diligência da CCPJ visou apenas o jornal Público cuja prática tem sido a de, pela coassinatura, proteger a autoria dos trabalhos dos estudantes e garantir o cumprimento dos princípios éticos e deontológicos da profissão. Seria desejável que, até à definição de princípios gerais consensualizados, as entidades competentes pudessem fazer uma leitura mais abrangente do Estatuto do Jornalista, incorporando nessa análise o disposto no nº 4 da Portaria 318/99 de 12 de maio. Porque esta questão toca não apenas a vida dos jovens que pretendem tornar-se jornalistas mas também a própria renovação da profissão, considera-se que a CCPJ prestará um melhor serviço no âmbito das suas competências se adotar uma postura mais pedagógica e menos sancionatória.
11 de julho de 2014
Anabela Gradim
Mestrado em Jornalismo da Universidade da Beira Interior
Anabela de Sousa Lopes
Mestrado em Jornalismo da Escola Superior de Comunicação Social de Lisboa
António Granado
Mestrado em Jornalismo da Universidade Nova de Lisboa
Carlos Camponez
Mestrado em Jornalismo da Universidade de Coimbra
Galvão Meirinhos
Mestrado em Ciências da Comunicação da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro
Madalena Oliveira
Mestrado em Ciências da Comunicação da Universidade do Minho
Paula Cordeiro
Mestrado em Comunicação Social da Universidade de Lisboa
Paulo Frias
Licenciatura e Mestrado em Ciências da Comunicação da Universidade do Porto
Ricardo Nunes
Licenciatura em Comunicação Social do Instituto Politécnico de Setúbal