Procurou os sons que “desenhassem” as imagens de um tempo que não vivemos. Foi assim que Sofia Saldanha definiu aos alunos do Mestrado em Ciências da Comunicação o processo criativo da série documental “Não sei o que o amanhã trará”, sobre a vida e obra de Fernando Pessoa. Numa aula aberta da Unidade Curricular de Comunicação e Linguagens, no dia 16 de janeiro, especialmente dedicada à plasticidade sonora, a autora deste áudio-guia explicou: “Estes sons estão aqui para quê? Para nós ficarmos com as imagens.”
O objetivo da sessão era falar de narrativa, de storytelling, de novos formatos e de criatividade sonora num tempo que se define essencialmente pela abundância de imagens. Pretendia-se falar de sons que contam histórias. Para isso, Sofia Saldanha, que recebeu em 2010 o Best New Artist Award no Third Coast International Audio Festival, em Chicago, começou por convidar os participantes a um exercício de escuta no escuro. Apagou as luzes e deu a ouvir dois episódios dos 15 que concebeu, produziu e realizou para o documentário. Depois explicou que pensou o trabalho como um percurso na Lisboa de Fernando Pessoa, por ruas e ambientes experimentados pelo poeta que hoje apenas podemos imaginar.
Questionada sobre o processo criativo de edição sonora, reconheceu que “já tinha as imagens na cabeça”, porque fez inclusive uma pesquisa de fotografias da época. Então procurou identificar a resposta à pergunta: “Que sons é que evocam estas imagens?” E assim foi decidindo inserir o som de gaivotas, o som de charretes, o som do sino de igrejas e o som do elétrico, que se articulam com a narrativa cruzada das entrevistas que fez para se documentar sobre Fernando Pessoa.
A uma plateia de meia centena de estudantes, Sofia Saldanha reconheceu o longo trabalho plástico necessário para uma produção desta natureza. Os 15 episódios têm uma duração total de 2h30, mas para o fazer reuniu 25 horas de som gravado e teve que lidar com a dificuldade de captar sons específicos numa cidade altamente ruidosa como é Lisboa hoje.
Financiado em parte pela Casa Fernando Pessoa, o documentário “Não sei o que o amanhã trará” estreará no dia 13 de fevereiro, Dia Mundial da Rádio, em versão inglesa. Em ambos os idiomas, este trabalho é, no entanto, como explicou, acima de tudo um documentário sonoro, não necessariamente um documentário radiofónico. Mas Sofia Saldanha, que trabalhou vários anos na RUM – Rádio Universitária do Minho – não esconde que a rádio foi a grande escola. E que, ao contrário dos vaticínios de senso comum, a rádio hoje, como meio, não morreu nem corre esse risco. Pelo contrário, disse no seu tom de gestos enérgicos, “a rádio está sempre a começar”.
Texto e foto: Madalena Oliveira