A edição de 2016-2017 dos Seminários Doutorais, iniciativa conjunta do CECS e do Departamento de Ciências da Comunicação da Universidade do Minho, chegou ao fim. No dia 26 de maio, na sala de atos do ICS, debateram-se dois temas que estão na atualidade dos doutoramentos: “A emergência da produção industrial da mentira” e “Tempos e territórios da (des)orientação científica”. As protagonistas foram Filipa Subtil (Escola Superior de Comunicação Social-Instituto Politécnico de Lisboa) e Emília Araújo (CECS).
Coube a Filipa Subtil abordar “A emergência da produção industrial da mentira”, chamando desde logo a atenção para a importância do que apelidou ser uma “nova realidade” que tem capacidade para se constituir como um modelo que continua a ser registado fora da guerra – quadro em que foi cunhado e se implementou -, em tempo de paz na esfera comunicacional, no confronto político e nas relações humanas quotidianas.
Nesse quadro, sublinhou a existência de três dimensões da produção industrial da mentira: uma, potenciada pelos meios modernos, tecnológicos e industriais; outra, que decorre da constituição de organizações burocráticas e, finalmente, em que a sua abrangência é possibilitada pelos meios transmissivos e concretiza a sua ‘globalização’.
A estas dimensões, a investigadora acrescenta uma quarta, ligada à mudança do paradigma comunicacional. Se, antes, a comunicação ia de alguns para muitos, hoje, como observou, através da Internet, vai de muitos para muitos. Neste último caso, inscrevem-se, também, os média ditos ‘tradicionais’, como os jornais, a rádio e as televisões. “A digitalização veio alterar a relação que existia”, facilitando de certa forma o incremento do rumor e da notícia falsa, em que todos os envolvidos no processo “estão em constante pressão”. Para este estado de coisas também contribuiu a crise de intermediação profissional.
É por isso que Filipa Subtil concluiu que se vive um estado de exceção permanente, argumentando que as regras que estão definidas nos média, bem como a sua dimensão deontológica, continuam a ser beliscadas. Questionou, por isso, se “seremos nós capazes de doutrinar estes meios nos tempos que correm?”.
Já Emília Araújo abordou a temática “Tempos e territórios da (des)orientação científica” deixando desde logo no ar a ideia de que não há uma linha definida em relação ao assunto, já que o caminho a seguir poderá mesmo ser um mero estado de espírito, muitas das vezes ideológico. Por isso se debruçou sobre a ideia de tempo, numa lógica que vai muito para além do calendário, mas que se assume com uma dimensão conceptual, “onde tudo se joga”.
Emília Araújo começou, assim, a desconstruir conceitos e a perspetivar a complexidade que a ideia de tempo tem associada. É que há tempos e temporalidades e não apenas a dimensão convencional de tempo, mas que é subvertida, nomeadamente na academia, a cada dia que passa. O que não é de estranhar, uma vez que a academia faz parte da sociedade e a mudança é transversal, aparecendo nesse contexto a ideia de “accelerated academy”, decorrente dos contextos. “Há uma multiplicidade de acessos que promovem a aceleração”, realça a investigadora, para quem “não se trata da ideia de não ter tempo para, mas de um estádio mais conceptual nas organizações”, que se consubstancia na ideia de “capitalismo académico”, observável, nomeadamente, na relação entre orientador e orientando, nos cursos de pós-graduação, ideia que desenvolveu bastante.
Fez questão de reputar a sua exposição como sendo de caráter metodológico, afirmando que este tempo-contexto, “é um tempo cheio de constrangimentos”. Por conseguinte, levantou algumas questões no que concerne à regulação: se se envereda pela orientação ou pelo controlo? Se se sugere ou se impõe? Se se responde ou se se substitui? O maior constrangimento é que, por exemplo, nas avaliações dos cursos universitários, a relação entre orientador e orientando já consta das plataformas, sem que, no entanto, haja um conhecimento mínimo para que isso aconteça. É nesse quadro que sugere a implicação de ‘corpo e alma’ para que haja a necessária intervenção transformativa.
A edição deste ano letivo dos Seminários Doutorais começou no dia 24 de fevereiro, com Mariana Lameiras e Isabel Macedo (“A experiência de pesquisa de duas jovens investigadoras”), prosseguindo no dia 24 de março (Maria José Brites, “Investigação participativa sobre jovens e notícias” e Manuel Gama, “Mapeamento de redes culturais”) e no dia 21 de abril (Rita Ribeiro, “Ouvir as vozes: narrar, interpretar , resgatar” e Paulo Serra, “O problema do tempo na investigação”).