Nesta hora triste, em que as Ciências da Comunicação, lusófonas e ibero-americanas, perdem a sua principal referência e o seu principal mestre, no Brasil, nos restantes países lusófonos e no espaço ibero-americano, não podemos deixar de lhe prestar um tributo de homenagem e agradecimento, de tal maneira é gigantesca e fecunda a obra de cultura e de ciência que nos legou, assim como é inspiradora a sua escola de pensamento.
Apenas as verdadeiras escolas de pensamento criam sociedades de conhecimento. E enquanto sociedades de conhecimento, as comunidades, lusófona e ibero-americana, de Ciências da Comunicação estarão para sempre ligadas àquilo que foram a vida e a obra do Professor José Marques de Melo.
Porque o Professor José Marques de Melo foi o principal mestre desta escola, nos momentos decisivos da sua história. Foi-o aquando da sua conceção, constituição e consolidação, integrando-a em tradições científicas que a inspirassem e fecundassem. E foi-o, igualmente, quando foi preciso dar resposta aos desafios societais, com os quais, a todo o tempo, essa escola teve que se confrontar e aos quais precisou de corresponder.
As Ciências da Comunicação constituem um campo de conhecimento com uma história de mais de setenta anos, que se afirmou sobretudo depois da II Guerra Mundial. Trata-se de um campo muito diverso e cheio de matizes, não apenas nos esforços da sua constituição e institucionalização, como também nas influências que o atravessaram, e ainda na complexidade social sobre o qual se estabeleceu. E é, com efeito, ao Professor José Marques de Melo que se deve, antes de a mais ninguém, a magistral visão e o bem-sucedido esforço de constituição e mobilização da comunidade científica lusófona de Ciências da Comunicação, e também da comunidade ibero-americana, embora nesta dimensão a tarefa se tenha mostrado mais ingente e ingrata.
As Ciências da Comunicação são uma atividade de pensamento crítico, uma atividade que tanto se exerce sobre a sociedade, como sobre os modos como interagimos uns com os outros para fazer comunidade.
Ao falarmos das Ciências da Comunicação no espaço lusófono e ibero-americano estamos a falar, por um lado, de uma escola de pensamento plural, no interior de culturas, elas também múltiplas e cheias de contrastes. E estamos a falar, por outro lado, de comunidades que se exprimem em duas línguas, o Português e o Espanhol, o que, num contexto globalizado, não é pequena coisa.
Encarar as línguas, portuguesa e espanhola, como línguas de cultura e pensamento é dar-lhes as condições que lhes permitam entrar no processo de produção do conhecimento. E como é responsabilidade de toda a ciência fazer comunidade, pode dizer-se que a obra do Professor José Marques de Melo concorreu para a construção, não apenas da comunidade brasileira de Ciências da Comunicação, mas sobretudo da comunidade lusófona e ibero-americana,
contrariando a visão de um mundo monocolor, um mundo globalizado, hegemonicamente falado em Inglês.
Podemos dizer que, sob a liderança do Professor José Marques de Melo, as Ciências da Comunicação não têm sido outra coisa que não seja fazer comunidade – uma comunidade académica, com responsabilidade cívica e política. Ao assumirem esta responsabilidade, de fazer obra de cultura, pensamento e conhecimento, em Português e em Espanhol, e de interrogar nestas línguas os modos através dos quais no espaço lusófono e ibero-americano as
comunidades humanas interagem umas com as outras, as Ciências da Comunicação lusófonas e ibero-americanas estão a tecer um espaço que não se cinge a um qualquer espaço nacional, concorrendo, outrossim, para a construção de uma comunidade transcultural e transnacional.
Assumindo este desafio de dizer em língua portuguesa e espanhola a génese e a evolução da comunidade humana, e também o processo social básico que constitui a Comunicação, e interrogando, por outro lado, a Comunicação como fenómeno cultural, e ainda como sistema de poder, e analisando os fluxos comportamentais do consumo, da participação cívica e da opinião pública, a obra do Professor José Marques de Melo afirmou as Ciências da Comunicação como Ciências Sociais Aplicadas, exprimindo os avanços da comunidade brasileira, lusófono e ibero-americana, com as suas contradições, inquietações, bloqueios, impasses, e igualmente com os seus anseios e sonhos, assim concorrendo para dotar a língua portuguesa e espanhola de um pensamento e de através dele criar conhecimento.
A obra do Professor José Marques de Melo responde, com efeito, a este desafio: concorre para tornar as línguas, portuguesa e espanhola, línguas de pensamento e de cultura, e em consequência disso, línguas de conhecimento.
Uma ideia norteou, sempre, a obra do Professor José Marques de Melo: interrogar e debater, sobretudo em Português, as comunidades humanas e a sociedade contemporânea, o que constitui um modo efetivo de contrariar o modelo hegemónico de fazer ciência, um modelo que está a apagar o espaço lusófono, porque lhe impõe uma língua de uso, e também lhe tem imposto os paradigmas dos seus modos de raciocínio.
A obra do Professor José Marques de Melo consagra a ideia de dar oportunidades sobretudo ao conhecimento em língua portuguesa, constituindo um contributo importante no processo de construção de uma comunidade científica lusófona, policentrada e polifacetada, uma comunidade com sentido humano, que é sempre uma comunidade com o sentido do debate e da cooperação, no respeito pela diversidade e pela diferença entre as culturas.
Moisés de Lemos Martins
Diretor do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade (Universidade do Minho, Braga, Portugal), Presidente da Associação Portuguesa de Ciências da Comunicação (Sopcom), de 2005 a 2015, e companheiro do Professor José Marques de Melo na constituição da Federação Lusófona de Ciências da Comunicação (Lusocom) e da Confederação Ibero-americana de Ciências da Comunicação (Confibercom).
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