Doutorado em Sociologia pela Universidade de São Paulo, em 1987, e com Pós-Doutoramento em Políticas Culturais (Universidade de Buenos Aires e Universidade San Martin), em 2006, Albino Canelas Rubim é professor titular da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e investigador do CNPq. Coordenou o Centro de Estudos Multidisciplinares em Cultura (CULT) e dirigiu a Coleção CULT da UFBA. Estuda políticas culturais, cultura e política e comunicação e política. É um dos convidados da sessão plenária Políticas da Comunicação, da Cultura e das Artes do III Congresso Internacional sobre Culturas: Interfaces da Lusofonia, que se realiza na Universidade do Minho de 23 a 25 de novembro de 2017.
Na sequência dos congressos que decorreram em 2015, na Universidade da Beira Interior, e em 2016, na Universidade Federal da Bahia, quais são as suas expetativas em relação ao III Congresso sobre Culturas: Interfaces da Lusofonia?
Tenho uma avaliação muito positiva da colaboração acadêmica, cultural e intelectual que começou a ser esboçada a partir de 2015 com a realização dos congressos sobre cultura. Eduardo Lourenço em seus instigantes textos anotou descompassos culturais existentes entre Brasil e Portugal, apesar de nossa cultura compartilhada em termos históricos. Penso que os congressos desempenham um papel substantivo para superar desconhecimentos, muitos deles sem sentido, e potencializar uma cooperação poderosa. Será bastante significativo para os estudos da cultura em Portugal e no Brasil.
Desenvolve um vasto trabalho na área das políticas públicas da cultura no Brasil. Como avalia a evolução destas políticas nos últimos anos? Quais são as prioridades futuras?
No campo das políticas culturais no Brasil, e mesmo internacionalmente, tem havido avanços e retrocessos. Isto decorre do caráter recente do campo, das práticas, dos estudos e das políticas culturais. Em rigor, podemos falar de políticas culturais como práticas a partir de meados do século XX e delas enquanto campo de estudos desde os anos 70/80 do século passado. Mas, apesar desta complicada conjugação de avanços e retrocessos – como acontece agora no Brasil desde o golpe midiático-jurídico-parlamentar, que derrubou a presidenta eleita em 2016 e que já fez transitar quatro ministros da cultura em pouco mais de um ano –, acredito que o campo de práticas e de estudos das políticas culturais tem-se desenvolvido em termos internacionais e nacionais. A gestão de Gilberto Gil no Ministério da Cultura no Brasil, durante o governo Lula, por exemplo, foi marcante no país e mesmo internacionalmente. Desde os anos iniciais do século XXI é visível o crescimento dos estudos de políticas culturais. No Brasil, a formação e a investigação em políticas culturais tem sido notável, mesmo em momentos de refluxo. A discussão e valorização no cenário internacional da diversidade cultural e de temas como a cidadania cultural, os direitos culturais e a cultura cidadã apontam também para a expansão e consolidação das políticas culturais.
Quais são as potencialidades que vê nestes eventos científicos para o desenvolvimento e a consolidação de uma comunidade lusófona de Ciências Sociais e Humanas?
Julgo que se pode construir uma comunidade lusófona efetiva e democrática, não aquela pretendida em momentos autoritários de nossas histórias. Mas também passa pela ampliação das relações e do intercâmbio entre brasileiros, portugueses e demais países da CPLP. Nesta perspectiva, a realização dos congressos internacionais de cultura em Portugal e no Brasil pode colaborar para o desenvolvimento desta comunidade. Ela só acontecerá se for constituida com base na participação real da população destes países. Suas comunidades e instituições culturais, como são as universidades, desempenham papel destacado neste processo.
Na sua opinião, quem são hoje os principais atores das políticas públicas da cultura?
Os atores principais das políticas culturais foram durante um bom tempo os estados nacionais. Mas desde os anos 70 e 80, novos atores vem sendo incorporados como formuladores e realizadores relevantes das políticas culturais. Os organismos internacionais, como a UNESCO, passaram a ter papel no desenvolvimento de políticas culturais. Podemos ainda citar a OEI, a SEGIB, a CPLP, o Mercosul Cultural, a União Européia e diversos outras instituições multilaterais. Também outros entes estatais – como municípios, estados e mesmo consórcios regionais – passaram a intervir no campo das políticas culturais. A sociedade civil, as instituições e comunidades culturais se tornaram atores (importantes) das políticas culturais. No caso específico nas políticas públicas de cultura temos sempre uma conjunção de atores, pois elas para serem efetivamente públicas requerem participação nos debates e nas deliberações de diversos entes, sejam eles estatais e da sociedade/comunidade cultural. Em suma, na atualidade existe uma complexificação e uma diversidade de agentes atuando no campo das políticas culturais, o que é vital para a democracia cultural.
Como é que vê a possibilidade de uma cidadania cultural na sociedade atual?
A cidadania como “direito a ter direitos” é uma conquista democrática das longas lutas empreendidas por trabalhadores, mulheres, negros, comunidades LGTB, jovens, migrantes, comunidades culturais e diversos outros atores políticos. A cidadania se conformou como conquista de direitos individuais, políticos, sociais, ambientais e, mais recentemente, culturais. Tais direitos não foram doados pelas classes dominantes, mas conquistados com muita luta. Se a emergência e consolidação da cidadania decorreu deste conjunto de lutas históricas, desafio semelhante está colocado agora na contemporaneidade. O neoliberalismo, atualmente vigente em muitos países e hegemônico em termos internacionais, é um dos maiores inimigos da cidadania e dos direitos cidadãos. A possibilidade da expansão da cidadania, inclusive cultural, está umbilicalmente associada ao enfrentamento do neoliberalismo. Apesar das dificuldades, acredito na possibilidade de um mundo melhor e mais humano, no qual todos tenham garantidos seus direitos (e deveres), inclusive culturais. Se olharmos os tempos recentes vemos de modo cristalino o agendamento e o vigor da cidadania e dos direitos culturais no cenário contemporâneo.