António Bento Gonçalves é docente na Universidade do Minho desde 1998, instituição onde também se doutorou em Geografia dos incêndios florestais. Os seus interesses passam por diversas vertentes desta área científica, como os riscos naturais e a proteção civil ou as causas e as consequências dos incêndios florestais.
Em entrevista, António Bento Gonçalves falou da vinda para o CECS, da eleição para o cargo de presidente da Associação Portuguesa de Geógrafos e do trabalho científico que tem vindo a desenvolver em todo o seu percurso académico.
Como foram os primeiros passos na vida académica?
No último ano da Licenciatura em Geografia, na FLUC, recebi um convite para integrar uma equipa de investigação multidisciplinar, na área dos incêndios florestais, liderada pelos Professores Luciano Lourenço e Xavier Viegas. Assim, o gosto pela investigação na área da Geografia dos Incêndios Florestais começou em 1989 e prosseguiu até hoje.
Posteriormente, fiz o mestrado em Geografia Física, ainda na FLUC, e integrei, na Universidade de Aveiro, um projeto europeu, também na área dos incêndios florestais, focado nos seus efeitos nos solos. Esse projeto implicou a realização de longos estágios na Universidade de Swansea e algumas estadias nas Universidades de Madrid e de Plymouth, permitindo-me uma maior especialização na temática anteriormente referida.
De volta à Universidade de Coimbra, colaborei em vários projetos sobre risco de incêndios florestal, educação florestal, …, no Núcleo de Investigação Científica de Incêndios Florestais.
Já na Universidade do Minho, onde sou docente desde 1998, fiz o doutoramento, em Geografia Física e Estudos Ambientais, igualmente na área da Geografia dos incêndios florestais e, prossegui a minha investigação nas diversas vertentes dessa área científica, ou seja, os riscos naturais e a proteção civil as causas e as consequências ambientais, económicas e sociais dos incêndios florestais.
É diretor da licenciatura em Proteção Civil e Gestão do Território na UM. Como foi o processo de criação deste curso?
O curso surgiu da necessidade sentida pela sociedade portuguesa da oferta de uma formação superior na área da Proteção Civil. Assim, atendendo às competências existentes no Departamento de Geografia, onde vários docentes/investigadores se dedicam ao estudo dos riscos naturais e do ordenamento do território, o curso foi estruturado e submetido a aprovação superior, numa parceria entre o Instituto de Ciências Sociais (ICS) e a Escola de Engenharia, com um forte apoio e incentivo da presidência do ICS.
Depois de aprovado pela A3ES, na sequência dos dramáticos incêndios de 2017, foi finalmente autorizado o seu início, no ano letivo de 2018-2019.
Foi recentemente eleito presidente da Associação Portuguesa de Geógrafos e havia sido vice-presidente da RISCOS (Associação Portuguesa de Riscos, Prevenção e Segurança). De que modo a participação nestas associações se relaciona com o seu trabalho?
Os três mandatos como Vice-Presidente da RISCOS estão diretamente relacionados com o meu trabalho científico na área dos riscos naturais, e, em particular, na dos incêndios florestais. Com efeito, na sequência da colaboração em vários projetos científicos e na publicação, em coautoria com colegas da FLUC, de vários artigos, recebi o convite para integrar a Direção da RISCOS, tendo cumprido três mandatos.
A eleição para a Presidência da Associação Portuguesa de Geógrafos veio na sequência dos dois mandatos em que fui membro da Direção da APG (2016-2018 e 2018-2020), presidida pelo Prof. José Alberto Rio Fernandes (FLUP), no final dos quais, e na sequência de um conjunto de iniciativas que vinha concretizando, foi-me solicitado, pelos membros da ex-direção, que encabeçasse uma candidatura, dando assim continuidade ao trabalho que vinha a realizar, agora na liderança da Associação.
Recentemente integrou a equipa do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade (CECS). Qual é o seu envolvimento com projetos científicos e quais são os principais objetivos de cada um?
Já estive envolvido e/ou a coordenar diversos projetos (FP7, Interreg, FCT, …), neste momento estou envolvido em duas candidaturas H2020 e em três FCT e coordeno, na Universidade do Minho, como instituição parceira, dois projetos da FCT.
O primeiro resulta de uma parceria com a Universidade de Évora e o segundo com o NIPE (Escola de Economia e Gestão da UMinho) e com o CCG (UMinho).
Os projetos em curso visam, o primeiro, conhecer em maior detalhe os efeitos dos incêndios nas propriedades químicas e físicas dos solos, enquanto que o segundo tem como objetivo central conhecer os custos económicos e ecossistémicos dos incêndios florestais.
Com efeito, os incêndios florestais são um problema global e recorrente e o seu estudo é difícil e complexo, atendendo ao elevado número de variáveis naturais e antrópicas que para ele contribuem, quer direta, quer indiretamente, sendo, atualmente, um dos principais riscos em Portugal, onde tem assumido uma frequência e uma dimensão cada vez mais preocupantes, com grandes impactos ambientais, económicos, sociais, e muito em particular, humanos.
Nesse sentido, o seu estudo e compreensão, nas suas mais diversas dimensões, é crucial para o país, para que se possam adotar medidas preventivas e/ou mitigadoras, reduzindo assim os impactos negativos dos incêndios florestais.
Vivemos, há pouco tempo, episódios sensíveis relacionados com incêndios florestais em Portugal. Essa é uma das suas áreas científicas de interesse. Neste contexto, de que modo a comunidade científica pode ter um impacto positivo na resolução/discussão destes problemas?
O conhecimento científico e técnico, produzido pela comunidade científica, tem um impacto muito significativo em todas as vertentes da sociedade. No caso dos incêndios florestais, embora muito haja para investigar e conhecer, existe conhecimento científico suficiente para, caso fosse (devidamente) aplicado, muitos dos problemas fossem bem menores.
Nesse sentido, na nossa dupla qualidade de investigadores e docentes, compete-nos não só investigar e produzir ciência, mas também transmitir esses conhecimentos à comunidade e aos nossos alunos, formando assim técnicos e cientistas que possam eles próprios, a médio prazo, ter impacto positivo na diminuição e mitigação dos incêndios e dos seus efeitos.
Vê com bons olhos a possibilidade de participar num trabalho científico interdisciplinar no quadro de outras áreas de estudo do CECS?
Sim, não faz sentido integrar uma unidade de investigação e não estar recetivo a colaborar ativamente com os outros membros dessa unidade.
Neste momento, em duas das candidaturas FCT e numa H2020, anteriormente referidas, estamos, por iniciativa minha, a colaborar com outros investigadores do CECS, da área das ciências da Comunicação e da Sociologia.
Sendo Geógrafo, é fácil trabalhar em equipas multidisciplinares e a Geografia Física e os estudos ambientais são importantes em muitos estudos interdisciplinares, coordenados ou com a participação das outras áreas de estudo do CECS.
No caso específico dos incêndios florestais, sendo o seu estudo difícil e complexo, atendendo ao elevado número de variáveis naturais e antrópicas que para ele contribuem, quer direta, quer indiretamente, como anteriormente já tinha sido referido, é de vital importância integrar diferentes vertentes das ciências sociais nos projetos que visam a sua compreensão, mas também, por exemplo, a sua comunicação.
Como pode um investigador das Ciências Sociais contribuir positivamente para a sociedade?
A principal área temática da minha investigação posiciona-se na interface entre as ciências sociais e as ciências da terra e do ambiente e como tal, acredito que, quando se produz ciência, em qualquer área do saber, estamos a contribuir para a sociedade, pois, o conhecimento, quando, e se, bem aproveitado, é uma mais valia em termos sociais, ambientais e económicos.
No caso da investigação na área dos incêndios florestais, por exemplo, o conhecimento pode contribuir para fomentar uma cultura de autoproteção nas populações, tornar os diferentes territórios mais resilientes aos incêndios, prevenir a sua ocorrência e minorar e mitigar as suas consequências, revelando-se crucial no atual contexto de desregulação climática, com uma nova realidade, onde os grandes incêndios se tornaram mais recorrentes e mais destruidores.