Carlos Veiga é professor Auxiliar com Agregação no Departamento de Sociologia da Universidade do Minho, onde se doutorou também em Sociologia, em 2004. Leciona as disciplinas de Métodos e Técnicas de Investigação Social, Sociologia da Solidariedade e Exclusão Social, Estatística e Análise de Dados em Sociologia, Sociologia das Organizações e Sociologia da Deficiência e da Reabilitação. O investigador do CECS centra o seu trabalho no campo da deficiência e das organizações de reabilitação das pessoas com deficiência.
Em entrevista, Carlos Veiga falou do seu percurso académico, da recente eleição para a Associação Iberoamericana de Sociologia das Organizações e da Comunicação (AISOC) e do estado atual da investigação em Portugal.
Como foram os primeiros passos na vida académica?
Iniciei o meu percurso académico no ano letivo de 1985/86 ao ingressar na licenciatura em Sociologia na Universidade de Évora, que viria a terminar em março de 1991. Entretanto, viria a ingressar como docente na Universidade do Minho como assistente estagiário no então Departamento de Sociologia e Antropologia do ICS, cujo diretor era nessa altura o Professor Luís Polanah. Foram-me atribuídas, se bem me recordo, as unidades curriculares de Introdução à Sociologia para as licenciaturas em Psicologia e Relações Internacionais – Económicas e Políticas e Matemática e Estatística para as Ciências Sociais da licenciatura em Relações Internacionais – Sociais e Políticas, que partilhei com a Professora Ioannis Baganha, ambos os professores infelizmente já falecidos.
Entretanto já tinha sido admitido ao curso de Mestrado em Sociologia Aprofundada e Realidade Portuguesa na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, que vim terminar em Outubro de 1994, com apresentação e defesa de uma tese, orientada pelo Professor Joaquim Nazareth, sobre as CERCI, então designadas como Cooperativas de Educação e Reabilitação de Crianças Inadaptadas, tese que foi publicada pelo Secretariado Nacional de Reabilitação, atual Instituto Nacional para a Reabilitação. Portanto, essa tese tinha como objeto de estudo as organizações da deficiência. Não foi, aliás, o meu primeiro trabalho na área, pois a minha dissertação de licenciatura também já o havia sido, com título “Estudo Comparativo de Organizações para Deficientes do Distrito de Portalegre”, em cuja cidade capital então trabalhava e residia e onde os meus filhos nasceram, dando continuidade às origens alentejanas da minha família, tanto da parte paterna como materna. Essa dissertação foi orientada pelo Professor Joaquim Quitério. Muita gente pensa que eu tive a fonte da minha motivação baseada em questões pessoais ou íntimas, nomeadamente familiares próximos com deficiência. Tal suposição não corresponde à verdade. O que aconteceu, de facto, foi a realização de um pequeno trabalho de grupo no âmbito da unidade curricular de Sociologia da Família, então ministrada pela Professora Maria das Mercês Covas, o qual me levou até à CERCI de Portalegre para recolher informação sobre as famílias dos utentes a fim de a usar naquele trabalho. Embora eu tivesse pessoas amigas que trabalhavam nessa CERCI e conhecesse alguns pais de crianças e jovens que a frequentavam, foi a partir desse pequeno trabalho que me envolvi nos estudos da deficiência. Foi uma casualidade que se transformou em paixão, até hoje. Para isso também em muito contribuíram profissionais e dirigentes das organizações da deficiência que acreditaram na valia do meu trabalho e me abriram e continuam a abrir as portas para prosseguir o meu envolvimento no campo da deficiência. Como consequência da continuidade da carreira académica, em 2004 acabei por apresentar e defender a tese de doutoramento em Sociologia pela Universidade do Minho orientada pelo Professor Moisés Martins, denominada “As Regras e as Práticas. Factores organizacionais e transformações na política de reabilitação profissional para as pessoas com deficiência”, também publicada em livro pelo já referido Secretariado Nacional de Reabilitação.
Foi recentemente eleito para a Associação Iberoamericana de Sociologia das Organizações e da Comunicação. Quais os objetivos desta associação e de que modo a participação nesta associação se relaciona com o seu trabalho?
De facto, fui eleito como vogal da Associação Ibero-americana para a Sociologia das Organizações, integrado numa equipa diretiva com colegas de vários países latino americanos e de Espanha, cujo presidente é a Professor Maria Victória Sanagustin da Universidade de Saragoça. Genericamente, esta associação, de cuja direção fez durante muitos anos o saudoso Professor Manuel da Silva e Costa, que também foi seu presidente, e da qual sou associado desde 1994 ou 1995, ano a que participei na organização do 1º Seminário que se realizou aqui na Universidade do Minho (posteriormente veio a realizar-se um 2º na Universidade do Minho, em 2005). A AISOC tem como missão proporcionar os contactos e interações pessoais e profissionais entre cientistas sociais do espaço ibero americano em questões relacionadas com a “Participação, Autogestão e Comunicação nas Organizações”. O seu objetivo será o de promover, desenvolver e divulgar atividades científicas, sobretudo através do intercâmbio entre os investigadores do espaço ibérico e latino americano. Praticamente todos os anos a AISOC organiza o seu Seminário Internacional num dos países de que os seus membros fazem parte ou no país onde se realiza o Congresso da Associação Internacional de Sociologia. Como, no essencial, os meus interesses como investigador e orientador de teses de mestrado e doutoramento se centram, em boa parte, na ação das organizações para a deficiência, vejo com naturalidade a minha presença na AISOC, em cujos seminários internacionais já participei por diversas vezes, inclusive como membro de equipa organizadora, como atrás referi.
Faz parte da equipa do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade (CECS). Como vê a situação atual da investigação no nosso país?
Confesso que não tenho uma noção completamente formada da situação geral da investigação em Portugal. Ainda que de forma difusa, a mim me pareça, pelo que vou lendo e escutando, que a investigação científica roda a várias velocidades, com as ciências sociais em andamento mais lento, particularmente quando comparado com o que se passa com as ciências médicas, biomédicas, tecnológicas e espaciais, as quais dispõem de muitos mais recursos e visibilidade do que as restantes ciências. Isso nem é novidade. Apesar dos avanços recentes, persiste o crónico estado de subdesenvolvimento das ciências sociais. Há, no entanto, algumas coisas que me preocupam e até me irritam, de que retenho três delas, para não ser exaustivo. Desde logo, a desvalorização da língua portuguesa como língua “nobre” de difusão do conhecimento científico em detrimento da língua inglesa, não só pela desvalorização em si, mas também pelo facto de os centros não disporem de recursos profissionalizados próprios, para que os investigadores possam ver traduzidos ou revistos os seus textos de forma que reflitam com rigor científico o seu conteúdo, sobretudo se originalmente escritos na língua materna. Também vejo com apreensão a estratégia que está a levar os avaliadores, e por consequência os próprios investigadores, a hipervalorizarem as publicações em revistas internacionais indexadas e a desprezarem a publicação em revistas nacionais ou mesmo em livros ou capítulos de livros, por exemplo. Internacionalizar a ciência é objetivamente algo de muito positivo, pois é certo que vivemos num mundo global, cada vez mais global, onde a humanidade é una, apesar das diferenças culturais e linguísticas. Porém a meu ver a internacionalização da ciência é um espaço cada vez mais opaco em termos da identificação do efetivo valor e impacto das publicações científicas, apesar da multiplicidade de canais e meios de comunicação existentes. Tenho sérias dúvidas que boa parte da internacionalização que se está a fazer do conhecimento científico seja sinónimo de qualidade e aproveite a todos de igual modo, a começar pelos investigadores e a acabar nos povos do planeta. Para terminar, refiro a formação e inclusão de jovens investigadores nas atividades de investigação, as quais me parecem não estarem a ser devidamente acauteladas, por forma a aumentar e renovar os recursos humanos do campo científico. Apesar dos avanços mais recentes a este nível, através do aumento de contratações de jovens investigadores e do crescimento do número de programas de doutoramento e pós-doutoramento, os apoios à fixação e criação de sentimento de pertença duradouro desses jovens investigadores assenta mais na precariedade do que na continuidade. Isso é particularmente notório no caso dos bolseiros alocados a projetos também precários e não a programas de desenvolvimento científico de alcance permanente, algo que os coloca numa situação de instabilidade frustrante e desmotivadora, face às limitações que daí decorrem. E, claro, sem esquecer a asfixia da burocracia delirante que sufoca a apresentação e gestão dos projetos, que os tende a transformar também numa rocambolesca aventura ou como eu costumo dizer, a entrar num caminho tormentoso sem fim à vista.
Está envolvido/coordena algum projeto científico?
Sim. Neste momento estou apenas envolvido num projeto científico que também coordeno, denominado Inclusão Profissional e Qualidade de Vida, que conta também com participação da doutora Luísa Fernandes, investigadora do CECS. Um estudo longitudinal, numa parceria entre a Humanitas – Federação Portuguesa para a Deficiência Mental e o CECS, projeto financiado pelo Instituto Nacional para a Reabilitação. O trabalho de recolha de informação decorreu em várias zonas do país e, neste momento, estamos a preparar o livro onde serão apresentadas as conclusões do projeto. Mas também ainda estou a finalizar a participação num projeto internacional sobre violência escolar e bullying coordenado centralmente pelo Professor José Leon Crochik da Universidade de São Paulo (Brasil) e que reuniu investigadores de cerca de 30 universidades, entre brasileiras, argentinas, mexicanas e espanholas, além de nós, coordenando eu uma pequena equipa em Portugal, que incluía além da doutora Luísa Fernandes as doutoras Fernanda Pinto e Maria Quinteiro, também ligadas ao CECS como investigadoras.
Vê com bons olhos a possibilidade de participar num trabalho científico interdisciplinar no quadro de outras áreas de estudo do CECS?
Sim. Penso que essa deverá ser a estratégia a seguir no futuro, aliás já deveria estar a ser seguida. O que não significa que não haja algumas experiências desse tipo. Mas creio que resultam mais de vontades individuais do que de uma vontade ou planeamento coletivo. Ou seja, entendo que o CECS deve organizar-se internamente e buscar as parcerias externas adequadas a essa estratégia, juntando os esforços dos seus investigadores em torno de grandes temas da atualidade que exigem, na sua compreensão, explicação e aplicação, olhares diversos, mas alinhados para objetivos científicos comuns e socialmente relevantes. Isso passa pela criação de equipas interdisciplinares de investigadores, que não só permitam juntar recursos humanos especializados em determinados domínios científicos, mas também permitam usar os recursos de forma mais eficiente e eficaz e, muito relevante, ganhar estatuto para obter recursos em fontes de financiamento à investigação que exigem a formação de equipas robustas com provas dadas em projetos abrangentes e de relevo, seja nacional ou internacionalmente.
Como pode um investigador das Ciências Sociais contribuir positivamente para a sociedade?
No meu entendimento, fundamentalmente produzindo, divulgando, atualizando conhecimento científico sério, rigoroso e com valor social agregado, nomeadamente participando nos diversos fóruns que lhe permitam expressar e provar o valor desse conhecimento. Ou seja, mostrando que o conhecimento gerado pelas ciências sociais pode e deve ser colocado ao dispor do desenvolvimento social, económico e ambiental. Será a melhor forma de pugnar para que esse conhecimento contribua para o bem-estar e qualidade de vida de toda a Humanidade e do meio ambiente global. Deve também contribuir para que o seu conhecimento seja partilhado sob a forma de acesso livre e gratuitidade. Logo, não mercantilizado ou sujeito a agendas editoriais, políticas, ideológicas ou financeiras ou ainda regido por meros modismos científicos em voga. Não sou adepto do cientista ativista, mas não me oponho a que os cientistas sociais possam abraçar as grandes causas sociais, obviamente cuidando de evitar contaminar a ciência pelos ideais professados.