Entrevista com Alice Delerue Matos

Projeto SHARE-Portugal (2018-2020)

com um financiamento superior a 1.100.000,00€

 

O financiamento atual do projeto SHARE-Portugal, que abrange o período de 2018 a 2020, é superior a 1.100.000,00€, sendo coordenado pela investigadora do CECS Alice Delerue Matos que sustenta que o financiamento agora obtido permite ir mais além na recolha de dados e investigação. Por exemplo, possibilita a recolha de informação sobre as histórias de vida dos indivíduos que pertencem ao painel de entrevistados portugueses, permitindo avaliar de que forma é que as condições de existência durante a infância e juventude influenciam a vida em idades mais avançadas e como é que as políticas sociais estão relacionadas com as condições de vida dos indivíduos. Para além disso, e pela primeira vez, permitirá recolher informações sobre o uso do tempo e as poupanças realizadas pelos indivíduos de 50 e mais anos, bem como dispor de novos indicadores objetivos de saúde, nomeadamente, no que diz respeito à função cognitiva. “A importância científica do SHARE reside no facto de se tratar de um projeto multidisciplinar e longitudinal que capta o carácter global e dinâmico do processo de envelhecimento, possibilitando uma análise comparativa de 27 países europeus”, sublinha Alice Delerue Matos.

Pergunta (P) – O que se pretende com este projeto e quais os seus contornos?
Alice Delerue Maos (ADM) – O SHARE – Survey of Health, Ageing and Retirement in Europe é um projeto multidisciplinar que abrange 27 países europeus e Israel, disponibilizando e analisando dados sobre a saúde, o estatuto socioeconómico e as redes familiares e de confidência de mais de 120.000 indivíduos, com 50 anos ou mais (mais de 300.000 entrevistas).

A dimensão multidisciplinar do projeto fornece uma perspetiva global do processo de envelhecimento enquanto que procedimentos e práticas rigorosos, ao nível da concepção e implementação do projeto, asseguram a harmonização dos resultados obtidos nos diversos países participantes, no que diz respeito às características e condições de vida dos indivíduos e ao impacto das políticas públicas na qualidade de vida da população de 50 e mais anos. Este conhecimento permite que os decisores políticos ajustem as suas decisões às necessidades deste grupo de população, de grande relevância atual e importância crescente na Europa.

A importância científica do SHARE reside ainda no facto de se tratar de um projeto longitudinal que capta o carácter dinâmico do processo de envelhecimento. Deste modo, é possível perceber as alterações a que estão sujeitos os indivíduos, à medida que envelhecem. Para este efeito, o SHARE aborda, de dois em dois anos, no seu domicílio, indivíduos que constituem uma amostra representativa dos indivíduos de 50 e mais anos, em cada um dos países participantes.

Em Portugal, a coordenação científica do projeto cabe ao Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade (CECS) da Universidade do Minho (Profª Alice Delerue Matos) e à Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa (Prof. Pedro Pita Barros).
A nível europeu, o SHARE é coordenado pelo  Munich Center for the Economics of Aging (MEA), Max Planck Institute for Social Law and Social Policy (Prof. Axel Börsch-Supan).

P – Qual o financiamento e qual o respetivo período de vigência?
ADM– Portugal participa no SHARE desde 2010 tendo sido financiado em 2010-2011 pela Comissão Europeia e pelo Alto Comissariado da Saúde. Com o apoio financeiro da Câmara Municipal de Lisboa e do Instituto do Envelhecimento foi inquirida uma sobre-amostra na cidade de Lisboa, em 2011. No período de 2014 a 2017, o SHARE-Portugal foi financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia e Fundação Calouste Gulbenkian.

Atualmente, o projeto SHARE-Portugal é financiado pelo Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER) no quadro do concurso para Projetos de Infraestruturas de Investigação inseridas no Roteiro Nacional de Infraestruturas de Investigação de Interesse Estratégico e pela FCT através de fundos nacionais (PIDDAC), AAC Nº 01/SAICT /2016, candidatura nº 022209 – DATALAB. O projeto dispõe ainda de financiamento de fundos europeus do H2020 – subcontrato SHARE-DEV3 (Grant Agreement nº 676536). O financiamento atual do projeto SHARE-Portugal, que abrange o período de 2018 a 2020, é superior a 1.100.000 euros.

P – Qual a importância deste projeto no contexto da temática que ele trata?
ADM – O SHARE constitui um dos principais pilares da investigação europeia. Em 2006, foi selecionado como projeto do European Strategy Forum on Research Infrastructures (ESFRI). É também um elemento fundamental da European Research Area (ERA), na área das Ciências Sociais. Pela sua importância a nível europeu, o SHARE adquiriu em Março de 2011, um novo estatuto legal constituindo-se como o primeiro European Research Infrastructure Consortium (SHARE-ERIC).

Em Portugal, o projeto SHARE está inserido no Roteiro Nacional de Infraestruturas de Investigação de Interesse Estratégico.

O projeto permite estudar o envelhecimento na Europa e em cada um dos países participantes numa perspetiva dinâmica, comparativa e multidisciplinar, muito pouco frequente em projetos de investigação.

O projeto está harmonizado com o U.S. Health and Retirement Study (HRS), e o English Longitudinal Study of Ageing (ELSA) e tornou-se um modelo para várias pesquisas sobre o envelhecimento no mundo. Com efeito, membros da equipa SHARE têm colaborado na implementação de projetos similares em outros países do mundo, desde a R.P. China ao Brasil, do Japão ao México, da Coreia do Sul à Tailândia e da Índia à África do Sul.

P – Que aspetos gostaria de destacar neste financiamento?
ADM – O financiamento agora obtido permite recolher, em Portugal, a informação das vagas 7 e 8 do projeto. A vaga 7 é uma vaga única visto que incide sobre as histórias de vida dos indivíduos que pertencem ao painel de entrevistados, permitindo avaliar de que forma é que as condições de existência durante a infância e juventude influenciam a vida em idades mais avançadas e como é que as políticas sociais estão relacionadas com as condições de vida dos indivíduos. Na vaga 8 serão recolhidas, pela primeira vez, informações sobre o uso do tempo e as poupanças realizadas pelos indivíduos. Esta vaga permitirá ainda dispor de novos indicadores objetivos de saúde, nomeadamente, no que diz respeito à função cognitiva.

O financiamento obtido para a persecução do projeto em Portugal permite ainda alargar o painel de entrevistados, criando condições para o estudo de subpopulações e de fenómenos menos frequentes que exigem amostras de grande dimensão.

Finalmente, o financiamento permite dotar o SHARE de uma equipa de investigadores capaz de assegurar o tratamento e análise aprofundada da informação relativa ao processo de envelhecimento e às condições de vida dos portugueses de 50 e mais anos. Os estudos a desenvolver por esta equipa são indispensáveis à definição de políticas públicas alicerçadas no conhecimento científico e ajustadas à realidade do país.

A criação desta equipa visa também assessorar os investigadores nacionais que pretendam utilizar os dados do SHARE nas suas pesquisas. Sublinhe-se que o SHARE permite o acesso gratuito da comunidade científica aos micro dados que o projeto recolhe.

P – Em termos de empregabilidade (bolsas e afins), o que prevê este projeto?
ADM – Para além dos coordenadores científicos do SHARE-Portugal, não remunerados pelo projeto, a equipa nacional compreende um Gestor Executivo (pós-doutorado), um bolseiro de investigação de pós-doutoramento, três bolseiros com o grau de mestre e um bolseiro com o grau de licenciado. Prevê ainda reforçar a equipa com mais um bolseiro de pós-doutoramento e dois bolseiros com o grau de mestre.

O financiamento disponível permite ainda a contratação de supervisores e de entrevistadores para a recolha da informação até 2020.

P – Qual o balanço do percurso caminhado até aqui à volta do SHARE?
ADM – O SHARE conta com quase 7500 utilizadores registados e mais de 2000 publicações, desde a sua génese em 2004. Só no último ano, foram publicados, em média, mais de 2,5 trabalhos científicos por semana!

Apesar da reduzida dimensão da comunidade científica portuguesa, quando comparada com a de outros países europeus e da participação relativamente recente de Portugal no projeto, o país conta com já com mais de 100 utilizadores registados, responsáveis por meia centena de publicações científicas com base em dados do SHARE, na área das Ciências Sociais e Epidemiologia. Graças a este projeto, o envelhecimento em Portugal é ainda alvo de estudos de investigadores de todo o mundo.

A curto/médio prazo, a equipa SHARE-Portugal visa o alargamento das temáticas das pesquisas científicas sobre a população de 50 e mais anos e a realização de estudos longitudinais que permitam identificar as causas dos fenómenos sociais, apenas possíveis com a participação do país em diversas vagas do projeto. Visa ainda aprofundar as análises comparativas de Portugal com os demais países europeus que participam no SHARE mas também com outros países que dispõem de projetos semelhantes, com especial destaque para o Brasil.

A divulgação da informação do SHARE junto da comunidade científica e dos resultados do projeto junto dos decisores políticos nacionais, de modo a que estes possam adequar as políticas sociais às necessidades da população de 50 e mais anos, constituiu outra das prioridades da equipa nacional.

 

Entrevista conduzida por Vítor de Sousa e concedida por escrito.