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Cenas e vistas d’a Brasileira

Helena Pires, Fábio Marques & Sofia Gomes

2020 | CECS

ISBN:978-989-54228-5-2

À semelhança do que acontece com outros cafés históricos, A Brasileira é reconhecida como fazendo parte do comércio com valor patrimonial em Braga. Esta classificação já por si é expressiva da elevação de estatuto dos cafés com maior longevidade, os quais, de algum modo, funcionam como um barómetro, permitindo medir as transformações culturais e sociais, bem como as idiossincrasias das cidades em que se inserem.

A presente publicação surge do desejo de relevar os diferentes modos como os frequentadores d’A Brasileira se apropriam do café no seu quotidiano, transformando-o num lugar simultaneamente pessoal, que cada um inscreve nas suas rotinas, nos seus encontros marcados ou fortuitos com os amigos e conhecidos, nas suas memórias e histórias de vida, mas também num lugar impessoal, não no sentido da experiência da indiferença, mas da dilatação da experiência que abrange modos de ser-com e de estar-com, ou do lembrar-com, da possibilidade, enfim, de cada um se sentir parte do que observa, do que nele ressoa, distendido sobre as ambiências, os objetos, as conversas, as vistas, para lá da sua esfera estritamente subjetiva.

Este livro surge após mais de um ano de imersão no quotidiano do café, com tomadas de notas de campo, entrevistas a frequentadores mais ou menos assíduos, bem como a alguns dos seus colaboradores, e não deixando de parte algumas das conversas informais que se juntaram a este puzzle de visões e memórias múltiplas, aqui partilhadas (Halbwachs, 1992; Candau, 2013). Enquadrados no projeto A Passeio, procurámos com este trabalho contribuir para a valorização do sentido de comunidade e de pertença que, em tempos de crescente celeridade, bem como de progressiva descaracterização e “nudificação” do espaço urbano (Zukin, 2009), urge resgatar. A partir dos retratos do quotidiano n’A Brasileira, desenham-se quadros da vida na cidade, compostos por detalhes que escapam às notícias, insignificâncias que dificilmente são percetíveis nas visões mais panorâmicas, pequeníssimos nadas que tanto prenunciam mudanças como resistências inesperadas, expressões de diferentes culturas e identidades, coabitando, não raras vezes, de forma assíncrona. A Brasileira, hoje, e como tantos outros cafés históricos, é um ponto de cruzamento entre o espaço físico e o virtual, o local e o global, o pessoal e o impessoal, a atualidade e a memória. É também um lugar identitário. Para tal contribuem a singularidade da sua história, a sua particular configuração arquitetónica, e, sobretudo, o modo único como ali, de diferentes formas, cada sujeito circunvê o micro-universo da cidade avistada, entrevista a partir das portas envidraçadas ou da esplanada, as suas transformações, as multidões e o contínuo frenesim, mas também o vagar, da vida quotidiana. Ou ainda o modo único como cada sujeito participa da performatividade (Goffmann, 1963; 1971; 1993) social que ali, em jeito de encenação ritualística, se desenrola, entretecendo, assim, a sua própria identidade.