No passado dia 19 de outubro, a Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva acolheu um debate sobre a responsabilidade cívica e histórica dos Censos, promovido pelo Doutoramento em Estudos Culturais, em parceria com os Seminários Permanentes de Comunicação e Diversidade e de Estudos Pós-Coloniais do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade.
O debate contou com a participação de Cristina Roldão, do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia, Beatriz Gomes Diaz, da Associação de AfroDescendentes, Bruno Sena Martins, do Centro de Estudos Sociais, Pedro Bacelar de Vasconcelos, da Assembleia da República, Miguel de Barros, do Centro de Estudos Sociais Amílcar Cabral, e Moisés de Lemos Martins, do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade (CECS). A moderação esteve a cargo de Rosa Cabecinhas e Sheila Khan, ambas do CECS.
Sheila Khan afirmou que “a sociedade portuguesa está, neste momento, a viver tempos de grande vibração ao encarar, embora com relutância, as questões do racismo, da discriminação social e cultural, e as quotas para as minorias sociais. Neste contexto, os Censos procuram ajudar a questionar, debater e abrir horizontes de reflexão”. Já Rosa Cabecinhas salientou a urgência deste debate uma vez que “sabemos muito pouco sobre a população portuguesa e a sua diversidade. Sabemos muito pouco sobre as dificuldades que as pessoas que são tornadas invisíveis pelas estatísticas oficiais em Portugal enfrentam no seu dia-a-dia nas mais diversas áreas: educação, habitação, emprego, justiça, saúde, etc. Todos sabemos que um maior nível de conhecimento não gera por si só receitas mágicas para a resolução dos problemas que persistem insidiosamente no nosso quotidiano, mas urge combater esse deficit de conhecimento para poder de forma mais informada intervir e transformar”.
Cristina Roldão apresentou as linhas gerais do trabalho realizado no âmbito do Grupo de Trabalho Censos 2021 – Questões Étnico-raciais (2018-19), sinalizando as principais linhas de discussão e a importância dos estudos e recomendações que foram efetuadas. Destacou que “o racismo não é uma questão interpessoal nem uma questão de ignorância, é uma questão estrutural […]. Por exemplo, nos manuais de História não é uma única referência à comunidade cigana. A recolha de dados no âmbito dos censos permitiria um mapeamento da população. Os censos não são apenas uma máquina de recolher dados, têm o poder de moldar o imaginário e exigir política pública”.
Por seu turno, Beatriz Gomes Diaz, da Associação de AfroDescendentes, salientou: “nós temos muitos monumentos que celebram o projeto imperialista português, mas não temos monumentos sobre os sujeitos que foram subalternizados […], daí a importância da criação de um memorial às pessoas escravizadas”.
Bruno Sena Martins, do Centro de Estudos Sociais, enfatizou que “Não há justiça sem justiça histórica. A História é estruturada na violência colonial”, sendo imperioso romper as “fronteiras da humanidade” que foram definidas pelo colonialismo.
Miguel de Barros, do Centro de Estudos Sociais Amílcar Cabral (Guiné-Bissau), salientou que temos de “combater as assimetrias” que continuam a moldar o nosso quotidiano e frisou que “uma das responsabilidades da academia é desconstruir indicadores estatísticos”.
Moisés de Lemos Martins, diretor do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade (CECS) e coordenador do projeto de investigação “Culturas, passado e presente” (Aga Khan/ FCT), a partir de uma reflexão teórica sobre linguagem, verdade e poder, salientou que a luta para alterar os censos corresponde a “uma luta pela legitimidade de representação” e a um combate “apagamento e encobrimento”.
Pedro Bacelar de Vasconcelos, Constitucionalista e Presidente da Comissão Parlamentar de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias da Assembleia da República, chamou a atenção que não se trata de “invisibilidade, o que temos é cegueira voluntária” e é essa cegueira que é necessário combater. “Os censos podem ser um contributo, como podem ser um contributo oposto, como foram muitas vezes no passado. Não são os censos que criam a discriminação, nem são os censos que criam políticas públicas”. Temos de estar atentos à complexidade e intervir a diversos níveis para combater a discriminação.
Depois de um animado debate, para o qual contribuíram as intervenções e questões colocadas por membros da audiência, as moderadoras salientaram que vivemos um momento que exige de todos uma empatia ativa e cívica.